sábado, 18 de maio de 2013

Dos eternos...

Queríamos que fossem eternos... os abraços, os sorrisos, os olhares, o carinho, o cuidado, as mãos que se estendiam para nos ajudar a dar os primeiros passos, as mesmas mãos que nos ajudaram a caminhar pela vida. Mas um dia, de repente, a presença fez-se ausência. Tudo o que é, um dia foi. E dentro do peito um aperto, uma dor, anunciando que ali, no íntimo-profundo, a presença não é ausência, e aqueles que queríamos que fossem eternos, ainda são. E dentro do coração, os abraços, os sorrisos, os olhares, o carinho e mãos, materializam-se em forma de saudade. É a ausência-presença – anúncio de eternidade!




quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Sobre os cachorros e o céu




Ouvi uma vez que cachorros não vão para o céu. Assim disse um teólogo, “sábio doutor estudioso dos mistérios divinos”. Disse ele que isto se deve ao fato de que apenas os homens (no seu sentido amplo) possuem alma. Animais e plantas não possuem, e por isso quando morrem é o fim, simplesmente. Como assim simplesmente? Céu: mundo de almas desencarnadas. Quanta bobeira pra se ouvir num dia de sol! Concluí que na verdade muito pouco este “sábio” conhece de cachorros, e creio que muito pouco também sabe sobre o céu.
Em minha infância, sempre ouvi que existia um céu para cachorros, mas meu pai, sempre que morria algum cachorro meu, dizia que um era o céu, e este era para todos, pra gente, cachorros, gatos, periquitos e papagaios, árvores, e orquídeas. Ai que alívio! Imagina morrer e chegar num lugar onde só tem pessoas? Não ouvir o canto dos pássaros, não afagar o pêlo de um cão, não ter gatos se entrelaçando nas pernas, ouvindo apenas aquele chato blá blá blá, típico de pessoas quando se aglomeram.
Meu querido Rubem Alves (ao qual sempre declaro meu amor), pedagogo, poeta, filósofo, cronista, ensaísta, psicanalista e teólogo, certa vez escreveu: “Se Deus criou os bichos é porque os desejava e deseja. O céu vazio de animais é o céu de um Deus que fracassou (...) Deus gosta de bichos. Se ele gosta de bichos, eles serão ressuscitados no último dia”. Prefiro a opinião de Rubem Alves, à do “sábio doutor”.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Perto demais




A angústia obriga-nos a abrir caminhos para os passos seguirem, causa movimento. É preciso renascer todos os dias, provocar ressurreições na alma. Isso exige coragem! Ora, a ressurreição acontece depois da morte. Muitas são as coisas que devemos deixar morrer em nós para renascermos diferentes, para conseguirmos prosseguir os caminhos escolhidos...

Sentou-se na areia da praia. Fazia frio, ventava muito, e a praia estava semideserta: somente ela e alguns pássaros que passavam por cima de sua cabeça, saindo de suas ilhas, todos em bando. Desejava ela mesma sair de sua ilha, ilha que ela própria criou, e que achava ser o lugar mais seguro para os seus pensamentos. Sairia talvez se tivesse mais alguém para acompanhá-la, mas nunca esteve tão sozinha como naquele momento, na verdade sempre se sentiu assim, sozinha, mesmo estando em meio à multidão.
Era mês de julho. Usava calça e blusa de moletom. E nos pés um chinelo muito velho com meias furadas. Gostava de ficar bem à vontade quando ia à praia admirar o mar. O mar estava extremamente agitado. Nunca tinha visto o mar daquele jeito, e dentro do seu peito, seu coração também batia agitado, como se fosse o próprio mar, quebrando junto com suas ondas toda paz que procurava naquela manhã.
Aquela ressaca do mar... gostaria de se jogar nela e ser lavada de toda imundície que sentia lhe corroer. Estava sem saída, não havia como sua vida melhorar... era assim que pensava, era por isso que aquele nó na garganta nunca desatava. Seus sonhos foram-se perdendo um a um e não possuía mais metas, não enxergava mais os caminhos para levá-la aos seus objetivos. Os caminhos já não existiam mais, nem os caminhos certos, nem os caminhos errados.
Seus olhos apertaram-se, e saiu uma gota pequena que logo foi tomando forma e percorrendo as linhas de seu pequeno rosto, chegando até seus lábios, onde enfim pôde verificar seu sabor salgado. Tornou-se repetitiva essa ação. Algumas lágrimas lhe salgavam o rosto, tal como a água marinha. Sentia-se como se tivesse entrado no mar.
Começou a chover e assim as gotas salgadas foram se confundindo com as gotas doces da chuva. Nem parecia mais que estava chorando. Até mesmo gostou daquilo. Fez diminuir-lhe a dor que sentia. As gotas que caíam do céu caíam cada vez mais e cada vez mais consistentes, enquanto as que eram produzidas por seus olhos cessaram completamente.
Seu corpo, agora inteiramente molhado, foi levantando-se lentamente. Já com os pés bem firmes no chão de areia molhada, abriu bem os braços, conduzida por uma sensação incrível de liberdade. Começou a rodopiar e a olhar para o céu, e sentia a chuva fria cair sobre seus cabelos longos e correr por todo seu corpo quente e renovado de novas emoções. Assim como a chuva, ela também caiu. Já estava tonta e agora descansava do esvaziamento que experimentou, esvaziamento de si. Olhava o mar...
O mar sempre lhe atraiu, e naquela manhã ele estava mais sedutor. Aquelas águas bravias que iam ao encontro das pedras e se espalhavam num tom melancólico... Tudo era digno de admiração.
Estava decidida a se purificar. Tirou sua roupa, peça por peça, e deixou-a espalhada na areia. Ainda chovia e o vento fazia um barulho assustador. Ainda pensou um pouco, não tinha mais nada a perder. Seu corpo nu e molhado dirigiu-se para o mar, pé ante pé, como num ritual. Aos poucos as ondas foram se aproximando, a maré começava a subir. Seus pés, pernas, cintura, foram aos poucos sendo engolidos pelas águas. Não relutava. Apenas seguia em frente cada vez mais. A chuva ficou muito forte e mal se podia enxergar o que se estava à frente.  E as águas bravias continuaram seu banquete de mãos, braços, seios, pescoço, e... Somente se ouvia o som do vento, da chuva e do mar batendo nas pedras. Ela mesma não ouvia mais nada. Desesperou-se. O ar começou a lhe faltar e o mar já lhe cobria completamente. Seus pés sem apoio, apenas aceitaram aquele destino.  E dela mesma só restaram as roupas jogadas na praia...

            Morte? Morte... e ressurreição!

domingo, 16 de setembro de 2012

Devaneio dominical





Alguma coisa mudou. Houve um tempo em que eu gostava de poetizar. É bem verdade que nunca gostei dos meus poemas, e hoje, quando tive a oportunidade de reler alguns dos meus devaneios colocados no papel, gostei menos ainda. Muito drama. E percebo que dramática ainda sou, talvez até um pouco mais que antes. Mas, resolvi ser diferente. Desejei sob o sol de domingo ser menos explosiva, menos impulsiva, menos egoísta, mais centrada e ao mesmo tempo menos apegada. Desejei respeitar mais as pessoas, e buscar caminhos que me fizessem me sentir em paz, mesmo que esta paz seja inquietante. Desejei admirar o vento, o mesmo vento que uma menina feinha, triste e cega denominou como indócil, em um poema que não gostei.

Indócil

Vem, vento, vagando veemente,
Vasculhando valas,
Vedando o vazio da vida.

Vem, velando o que é vago,
O que é vadio.

Vem, em forma de vaga-lume,
Com vasto brilho,
Vencendo a escuridão do olhar.

Vem, em forma de vapor,
Varrendo toda viscosidade
Que impede a vista de ver.

Vai agora, vento,
Vagarosamente,
Velho,
Veludoso,

Vai-vem com vontade,
Dando verdade à minha incitação.