A angústia
obriga-nos a abrir caminhos para os passos seguirem, causa movimento. É preciso
renascer todos os dias, provocar ressurreições na alma. Isso exige coragem! Ora,
a ressurreição acontece depois da morte. Muitas são as coisas que devemos
deixar morrer em nós para renascermos diferentes, para conseguirmos prosseguir
os caminhos escolhidos...
Sentou-se na areia da praia. Fazia frio, ventava muito, e a praia
estava semideserta: somente ela e alguns pássaros que passavam por cima de sua
cabeça, saindo de suas ilhas, todos em bando. Desejava ela mesma sair de sua
ilha, ilha que ela própria criou, e que achava ser o lugar mais seguro para os
seus pensamentos. Sairia talvez se tivesse mais alguém para acompanhá-la, mas
nunca esteve tão sozinha como naquele momento, na verdade sempre se sentiu
assim, sozinha, mesmo estando em meio à multidão.
Era mês de julho.
Usava calça e blusa de moletom. E nos pés um chinelo muito velho com meias furadas.
Gostava de ficar bem à vontade quando ia à praia admirar o mar. O mar estava
extremamente agitado. Nunca tinha visto o mar daquele jeito, e dentro do seu
peito, seu coração também batia agitado, como se fosse o próprio mar, quebrando
junto com suas ondas toda paz que procurava naquela manhã.
Aquela ressaca do
mar... gostaria de se jogar nela e ser lavada de toda imundície que sentia lhe
corroer. Estava sem saída, não havia como sua vida melhorar... era assim que
pensava, era por isso que aquele nó na garganta nunca desatava. Seus sonhos
foram-se perdendo um a um e não possuía mais metas, não enxergava mais os
caminhos para levá-la aos seus objetivos. Os caminhos já não existiam mais, nem
os caminhos certos, nem os caminhos errados.
Seus olhos
apertaram-se, e saiu uma gota pequena que logo foi tomando forma e percorrendo
as linhas de seu pequeno rosto, chegando até seus lábios, onde enfim pôde
verificar seu sabor salgado. Tornou-se repetitiva essa ação. Algumas lágrimas
lhe salgavam o rosto, tal como a água marinha. Sentia-se como se tivesse
entrado no mar.
Começou a chover e assim
as gotas salgadas foram se confundindo com as gotas doces da chuva. Nem parecia
mais que estava chorando. Até mesmo gostou daquilo. Fez diminuir-lhe a dor que
sentia. As gotas que caíam do céu caíam cada vez mais e cada vez mais
consistentes, enquanto as que eram produzidas por seus olhos cessaram
completamente.
Seu corpo, agora
inteiramente molhado, foi levantando-se lentamente. Já com os pés bem firmes no
chão de areia molhada, abriu bem os braços, conduzida por uma sensação incrível
de liberdade. Começou a rodopiar e a olhar para o céu, e sentia a chuva fria
cair sobre seus cabelos longos e correr por todo seu corpo quente e renovado de
novas emoções. Assim como a chuva, ela também caiu. Já estava tonta e agora
descansava do esvaziamento que experimentou, esvaziamento de si. Olhava o
mar...
O mar sempre lhe
atraiu, e naquela manhã ele estava mais sedutor. Aquelas águas bravias que iam
ao encontro das pedras e se espalhavam num tom melancólico... Tudo era digno de
admiração.
Estava decidida a
se purificar. Tirou sua roupa, peça por peça, e deixou-a espalhada na areia.
Ainda chovia e o vento fazia um barulho assustador. Ainda pensou um pouco, não
tinha mais nada a perder. Seu corpo nu e molhado dirigiu-se para o mar, pé ante
pé, como num ritual. Aos poucos as ondas foram se aproximando, a maré começava
a subir. Seus pés, pernas, cintura, foram aos poucos sendo engolidos pelas
águas. Não relutava. Apenas seguia em frente cada vez mais. A chuva ficou muito
forte e mal se podia enxergar o que se estava à frente. E as águas bravias continuaram seu banquete de
mãos, braços, seios, pescoço, e... Somente se ouvia o som do vento, da chuva e
do mar batendo nas pedras. Ela mesma não ouvia mais nada. Desesperou-se. O ar
começou a lhe faltar e o mar já lhe cobria completamente. Seus pés sem apoio,
apenas aceitaram aquele destino. E dela
mesma só restaram as roupas jogadas na praia...