sábado, 8 de setembro de 2012

O Deus aprisionado






Tudo sentia sua presença apaziguadora, mas ao mesmo tempo inquietante. Plantas, animais e até mesmo homens. Era como se pairasse por sobre o mundo e também dentro de toda vida que havia nele. E a cada um se manifestava de forma diferente. Ele era assim: metamorfose. E gostava de ser assim. A necessidade do olhar do homem era o que o fazia se apresentar de diferentes jeitos a cada ser. Assim, livre como pássaro, pairava sobre o mundo, e o homem, mesmo sem entender, sentia aquela força.
Mas acontece que o homem tem a necessidade de entender tudo, e o desejo de tomar tudo como seu. Para tomar aquela força-presença como sua, começou dando-lhe nome. E como ela se manifestava diferente para cada um, cada grupo de homens começou a chamar-lhe por diferentes nomes também. Mas como poderia ser vários e único ao mesmo tempo? Cada grupo de homens tentou defini-lo, caracterizá-lo, dizer o que ele pensa, o que ele diz, o que ele quer. E aquela força-presença tão livre, foi enquadrada. Aquilo que era tudo e nada, tornou-se pássaro engaiolado, produto dos pensamentos do homem sobre ele.
Cada homem, a favor do seu próprio ego, comparava o seu pássaro aprisionado com o do outro. E para cada homem o seu pássaro deveria ser o único, assim como a sua verdade, que era também única. Defendia os pensamentos do seu pássaro com afinco, afinal, na verdade, fazia dos pensamentos do pássaro apenas projeções dos seus próprios pensamentos.
Instaurou-se a noção de pecado, e pior, a visão deturpada dele. O homem valorizava seus gestos, e o outro que agia diferente tornou-se pecador. Cada homem passou a ser o acusador e o juiz do outro. Pré-julgamentos tornaram-se hábito. Julga-se a roupa... do outro, o pensamento... do outro, a exposição... do outro, as ações... do outro. Dirige-se ao outro um olhar condenador, de quem é dono da verdade. Olhar para si mesmo é doloroso, é enxergar seus defeitos. Perceber que as ações que condena no outro, são ações que deseja praticar.
Observa-se tudo no outro. O que não se observa é que o pássaro já parou de cantar. Vive triste na sua gaiola, esperando o momento da liberdade, desejoso de ser novamente presença apaziguadora e inquietante, de ser novamente vários e único ao mesmo tempo. O homem canta sua própria canção e finge estar ouvindo o pássaro cantar.
Já faz tempo que quero abrir a gaiola do pássaro. Será que consigo?

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Raul Seixas, captando a variedade dessa força-presença um dia escreveu a mais bela das canções em minha opinião. Você, sinta-se livre para discordar disso e de tudo.

“- Eu que já andei pelos quatro cantos do mundo procurando, foi justamente num sonho que Ele me falou:

Às vezes você me pergunta
Por que é que eu sou tão calado,
Não falo de amor quase nada,
Nem fico sorrindo ao teu lado.

Você pensa em mim toda hora.
Me come, me cospe, me deixa.
Talvez você não entenda,
Mas hoje eu vou lhe mostrar.


Eu sou a luz das estrelas;
Eu sou a cor do luar;
Eu sou as coisas da vida;
Eu sou o medo de amar.

Eu sou o medo do fraco;
A força da imaginação;
O blefe do jogador;
Eu sou!... Eu fui!... Eu vou!...

Gita! Gita! Gita!
Gita! Gita!


Eu sou o seu sacrifício;
A placa de contra-mão;
O sangue no olhar do vampiro
E as juras de maldição.

Eu sou a vela que acende;
Eu sou a luz que se apaga;
Eu sou a beira do abismo;
Eu sou o tudo e o nada.


Por que você me pergunta?
Perguntas não vão lhe mostrar
Que eu sou feito da terra,
Do fogo, da água e do ar!

Você me tem todo dia,
Mas não sabe se é bom ou ruim.
Mas saiba que eu estou em você,
Mas você não está em mim.


Das telhas eu sou o telhado;
A pesca do pescador;
A letra "A" tem meu nome;
Dos sonhos eu sou o amor.

Eu sou a dona de casa
Nos pegue pagues do mundo;
Eu sou a mão do carrasco;
Sou raso, largo, profundo.

Gita! Gita! Gita!
Gita! Gita!


Eu sou a mosca da sopa
E o dente do tubarão;
Eu sou os olhos do cego
E a cegueira da visão.
Mas eu sou o amargo da língua,
A mãe, o pai e o avô;
O filho que ainda não veio;
O início, o fim e o meio”.

Um comentário:

  1. Ahhh...! Que alívio saber que a seita segue produzindo... Só...

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