segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Ritual antropofágico





“Decifra-me ou devoro-te”, assim disse a Esfinge a Édipo. “Decifra-me e devora-me”, assim dizemos uns aos outros com nossos olhares o tempo todo. Desejamos sermos compreendidos, decifrados. Lutamos por um lugar na atenção do outro. Desejamos encontrar no outro um pouco de nós. Necessitamos sermos incorporados pelo outro.
Um amigo meu, uma vez, contou-me que levou sua família para almoçar em um restaurante novo na cidade. Chegaram ao lugar, escolheram uma boa mesa, e conversa vai e conversa vem, mas nada do garçom lhes brindar com a refeição do dia.  Meu amigo já estava um pouco incomodado com aquilo. Estava com muita fome e imaginou que toda a família estivesse também. Inquietou-se com a demora. De repente, no meio de uma conversa modesta, seu pai lhe disse: “Isso que é bom. A espera”. Meu amigo, aliviado, entendeu o que o pai quis dizer. Na espera pela refeição, colocaram o papo em dia, puderam se olhar nos olhos, rir das esquisitices de família, revelar histórias desconhecidas.  Conviveram. Alimentaram-se uns dos outros. Oportunidade para se decifrarem e se devorarem.
Em rituais antropofágicos, o ato de alimentar-se do corpo do prisioneiro rival, adquiria um sentido místico de apropriar-se das suas virtudes, da sua coragem, da sua força. Alimentar-se do outro era sinal de respeito, apreço pelos seus feitos realizados em batalha.
É tão difícil parar para ouvir o outro atentamente, devorar com o olhar, decifrar expressões. O outro sempre demanda algo de nós, e muitas vezes sequer percebemos sua demanda, que na maioria das vezes, é simplesmente de afeto, uma busca por um olhar, por uma escuta. Na correria do dia-a-dia, não nos permitimos admirar o outro, e assim, não sentimos a vontade de devorá-lo. Deixamos de acolher em nós suas histórias, suas angústias, mas também sua coragem, sua força.
Olhar e ouvir são processos que se tornam místicos a partir da admiração. Quando se admira aquele a quem se escuta, suas palavras promovem transformações dentro de nós. Quando se admira aquele a quem se olha, seu rosto, gestos, expressões imprimem-se na nossa memória. Difícil é esquecer aquele a quem se admira! Ritual antropofágico! Alimento-me da palavra e da memória do outro.
“Tomai e comei”. Alimentarmos uns dos outros: os nutricionistas recomendam esta refeição!

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

A menina e o tear




Ela morava em uma vila pequena e simples, como tudo na sua vida. Em sua casa pequena, tinha um pequeno tear. Todos os dias a menina dedicava-se a tecer as tramas de um tecido, e como gostava de dar nomes a tudo que produzia, chamou o tecido de Amor.
Dedicava horas ao árduo trabalho de fazer o Amor crescer. Às vezes os pontos se embolavam, algumas tramas não davam certo. Era hora de desmanchar e recomeçar o trançado. Muitas foram as vezes que isso aconteceu. Ela não tinha muita experiência em tecer, era pequena, assim como a vila, a casa e o tear. E sabia que erraria muito, mas compreendia que o mais importante seria não deixar o Amor se perder, recomeçar quantas vezes fosse necessário, dedicar horas do seu dia àquele afazer, dedicar suor e sangue.
As tramas do Amor eram simples, mas sem querer a menina tornava-as complicadas, de complexo enredo. Quis também, de vez em quando, desistir de engendrar seu tecido mais precioso. Ficava cansada, queria fazer outras coisas além de tecer. Queria sair da sua casinha, sair da sua vilinha, deixar pra trás seu tearzinho. Estava muito difícil se concentrar. Estava muito difícil tirar forças de dentro de si para sentar em frente ao tear e continuar seu trabalho. Momentos de tramas complexas. Não desistia. Esforçava-se. Entendia que o Amor é assim mesmo, complicado em algumas partes, torna-se simples novamente com esforço.
O Amor não é um tecido uniforme. É um pano grande, bem comprido e largo – lembre-se que a menina dedica todos os seus dias na sua tecelagem - e em cada pedaço seu, um estilo diferente de trama. E assim, fazendo tramas diferentes a menina se livrava da mesmice, da rotina.
O Amor é assim, precisa de dedicação. “Você nunca sabe que resultados virão de sua ação, mas se você não fizer nada, não existirão resultados”, assim disse Gandhi uma vez.
E a menina, a cada dia continuava a tecer o Amor. Em uma vila pequena, em uma casa pequena, em frente a um tear pequeno, o que se tecia era um Amor grande e forte. Construído por dedicação.

domingo, 12 de agosto de 2012

Sobre um pedaço de mim




"Oh, pedaço de mim
Oh, metade afastada de mim
Leva o teu olhar
Que a saudade é o pior tormento
É pior do que o esquecimento
É pior do que se entrevar”.
(Chico Buarque de Hollanda)

Naquele dia, quando deixei minha mão cair sobre seu rosto frio e imóvel, meu coração parecia que iria parar, mas ele apenas saiu do meu peito. Foi parar na minha garganta, como um nó, dificultando minha respiração. Foi como levar um coice do real. Não estava preparada para aquilo. Senti uma dor, como a dor que se sente ao se perder um membro do corpo.
Tenho tanto de você em mim. Tanto do que sou hoje, devo a você.
Neste dia dos pais, agradeço-te por ter sido o herói que eu escolhi para mim, e por ter se portado como tal, me salvando de todos os perigos escondidos atrás do meu guarda-roupa, nas noites escuras de pesadelos. Você me ensinou a sonhar. E como sonhadora que sou, sonhei que Deus atenderia as minhas preces e não te deixaria partir tão cedo. Mas acontece que a morte bateu à sua porta, e você já tão cansado de lutar, com o corpo já tão fragilizado, com dores já tão imensuráveis, deixou-se descansar nos braços dessa senhora, que te segurou com firmeza. Todo herói tem a sua criptonita.
            Essa senhora, a Morte, gosta de apontar o dedo para a nossa fragilidade perante a vida. Nós, que pensamos sermos donos do próprio nariz, realmente achamos que podemos tudo, dentro de um universo de possibilidades, mas diante da dama de negro, sofremos com a nossa impotência. Sua diversão é brincar de fazer buracos nas almas dos que ficam. Diante desta senhora, o que fazer? Curvar-se.
Neste dia, em que muitos me parabenizam por mais um ano de vida, como soprar minhas velinhas, se me lembro da sua morte? Se sua ausência me tirou o fôlego, se meu coração ainda faz nó na minha garganta? Compartilho com Roberto Carlos um sentimento: “sem você meu mundo é diferente, minha alegria é triste”.
"Saudade a gente tem é dos pedaços de nós que ficam pelo caminho", segundo Martha Medeiros. É que tem um aperto dentro de mim que procura pelos pedaços que ficaram pelo caminho. Saudade aperta, dói, fica latejando sem parar. Acho que é justamente pra nos lembrar dos nossos pedaços!

“Oh, pedaço de mim
Oh, metade amputada de mim
Leva o que há de ti
Que a saudade dói latejada
É assim como uma fisgada
No membro que já perdi

Oh, pedaço de mim
Oh, metade adorada de mim
Lava os olhos meus
Que a saudade é o pior castigo
E eu não quero levar comigo
A mortalha do amor. Adeus”.

sábado, 11 de agosto de 2012

O templo e a rosa


              

              Fui ao jardim. Envolvida por tantas cores e belezas diferentes, deparei-me com uma rosa. Pétalas delicadas, em um tom avermelhado que me causou uma certa nostalgia. Lembrei-me de fins de tardes, quando ao poente do sol, o azul do céu transformava-se em tons avermelhados, tal como as cores daquela rosa. Ela, linda, traduzia a beleza do céu.  Para mim, romântica que sou, traduzia a beleza do divino.
               Decidi desenhá-la em uma das paredes do templo. Queria enfeitá-lo! Desenhei suas pétalas singelas de maneira que pareciam desabrochar. Tinha apenas dois espinhos, o caule pequeno, e três folhas que acompanhavam suas pétalas. Colori. Tentei aproximá-la daquela rosa do jardim, que não tive coragem de colher.
                Algumas pessoas que passavam pelo templo queriam que a rosa fosse apagada, e na impossibilidade de fazê-lo, queriam cobrí-la com panos, e diziam que Aquele que vivia no templo era sério demais, que não gostava de enfeites, que acharia aquele desenho uma afronta, e que pior, levaria aquela atitude como sendo a destruição do templo.
                Eu, destruindo o templo? Só queria enfeitá-lo, torná-lo mais alegre, agradável.
                Decidi espiar Aquele que vivia no templo. Fechei os olhos. Encontrei um menino serelepe, risonho, todo brincalhão. Carregava nas mãos um papel. Eu, curiosa, apertei ainda mais os olhos para enxergar o que o menino desenhara no papel. Para o meu espanto, lá estava ela: a rosa. Aquela mesma do jardim, do templo. Quando o menino percebeu que eu o estava espiando, começou a cantar assim:

"Menina bonita bordada de flor,
eu vi primeiro
todo o encanto dessa moça".

                 Abri os olhos, vi o céu avermelhado e a rosa no templo. Era a rosa mais bonita no templo mais emocionado que já existiu!

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Sobre o eterno!




Corpo magro, pele fina, cabelos ralos e brancos, rugas. O corpo sucumbe diante do tempo. O que fazer? Por mais que existam tratamentos estéticos, cirurgias plásticas, tinturas para cabelos, a ação do tempo é sempre mordaz. A fragilidade incide. O corpo um dia será pó. E sobre isso não se há o que fazer. O elixir da eternidade não existe!
Se bem que bem conheço pessoas eternas. Ou melhor, que se fizeram eternizar. Que ao partirem deixaram um pouco de si em suas obras, como Drummond, meu tão querido, Camões, Neruda, Graciliano Ramos, Florbela Espanca, José Saramago, Fernando Pessoa – esse, aliás, imortalizou vários de si mesmo. Conheço também eternos que ao partirem deixaram um pouco de si no meu coração. Inesquecíveis. A morte é dura, fria, inquestionável, e se tornar eterno, suaviza o peso que a morte carrega consigo.
Há quem confunda eternidade com juventude. Estica isso, estica aquilo. E não percebem que se eternizar é criar marcas. Deixar fissuras tão profundas que é impossível esquecê-las. Para tornar-se eternamente jovem, rasga-se e remenda-se. Para tornar-se simplesmente eterno, basta rasgar-se, dilacerar-se, mostrar a “dor e a delícia de ser o que é”, não é mesmo, Caetano?
Para tornar-se eterno é necessário, principalmente, plantar sementes. Saber ser ombro pra quem precisa chorar, saber ser mão estendida pra quem quer se levantar.  Saber formar laços. Saber viver com o outro e deixar um pouquinho de si no outro. Eternizar-se é perder um tanto de si no outro, e não apenas encontrar-se no outro, como muitas pessoas fazem. Usam o outro para se descobrirem, e esquecem que a descoberta se faz a partir da perda.
Tornar-se eterno é ser capaz de receber o vazio do outro, com suas dúvidas, falhas, confusões e confissões, sem julgamentos, sem moralismos. E assim ser capaz de entregar seu próprio vazio, o que significa mostrar-se frágil, necessitado do encontro com outro. Todo ser humano é frágil, mesmo aqueles calejados pela vida, mesmo aqueles que se fantasiam o tempo inteiro por não conseguirem encarar a realidade.
Mário Quintana, outro eterno, escreveu:
"Eterno, é tudo aquilo que dura uma fração de segundo, mas com tamanha intensidade, que se petrifica, e nenhuma força jamais o resgata”.
O elixir da eternidade não existe! O que existe é processo! Tudo no mundo se faz por processo! E o tempo voa, meu caro! Deixe-se eternizar!

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Um baú, um universo!




Dentro de um bauzinho cabe uma vida inteira! Ela pensou ao abrir aquele baú tão pequeno. Tinha muitos papéis, algumas fotos, embrulhos de bombom, guardanapos escritos, um brinco sem par. Dentro de cada objeto uma história anunciada, uma lembrança que se reascendia na memória.
Quando criança, a menininha (tão pequena ela era naquela época) viajou para uma praia! Fora a primeira vez que vira o mar! Quanta emoção! Hoje, ao pegar o palito de picolé com a data e o local da viagem escritos, pôde até mesmo sentir o cheiro do mar, ouvir o barulho das ondas batendo nas pedras. Lembrou-se da viagem. A família dentro do carro. “Já está chegando”? “Falta muito”? Parecia uma eternidade. Que viagem cansativa! Mas o cansaço sumiu à primeira vez que seu olhar vislumbrou o mar. Chegando na casa de praia, queria logo colocar o biquíni e sair em disparada ao encontro do mar. Sua mãe colocou bóias coloridas em seus braços e besuntou seu rosto e corpo com filtro solar. E lá foi ela, toda feliz desbravar a praia. Lembrou-se novamente daquele sentimento, quando seus pés tocaram a areia. Olhou para a água a sua frente. “Quanta água”! Ela Pensou. Sentiu medo, mas foi caminhando em direção a ela. “Fique no rasinho”! Disse a mãe.  E ela foi. Quando seus pés tocaram o mar, levou seu primeiro capote. Chorou, mas só de manha mesmo. Sentiu pela primeira vez o gosto salgado do mar. Naquele dia, e também nos outros dez que ficou na cidade praiana, comeu milho verde, comprou artesanato local, e aprendeu a soltar pipa com os primos. Aliás, aprendeu também a fazê-las, apesar de não ter tanta habilidade. Foram inúmeras recordações que aquele palito de picolé lhe trouxe. “Uma história e tanto”, pensou. E se nós, leitores, fôssemos ler tudo o que ela se lembrou, seriam folhas e mais folhas de leitura.
Como pode um simples objeto lembrar-nos de tanta coisa? Revelam tanto de nós! Não só o objeto em si, mas também o cheiro, a textura, o sabor. Recordam momentos que não queremos que saiam das nossas mentes, por terem um significado muito especial. O palito de picolé permite lembrar o primeiro dia de encontro com o mar, o bilhete no guardanapo faz lembrar aquele menino que paquerava na infância, e que escreveu um bilhete no guardanapo da cantina.  Aquele perfume faz lembrar a amiga mais compreensiva. Aquela roupa faz lembrar aquela festa na qual dançou até o sol raiar.
Uma raposa um dia disse assim ao príncipe de cabelos dourados e cacheados: “Vês, lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim não vale nada. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelos dourados. Então será maravilhoso quando tiveres me cativado. O trigo, que é dourado, fará com que eu me lembre de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo”. No livro de Antoine de Saint-Exupéry, a raposa, muito sabiamente, ainda diz ao pequeno príncipe: “A gente só conhece bem as coisas que cativou”.
Passamos por tantos lugares e pessoas durante a vida, e, no entanto, existem aqueles lugares e aquelas pessoas que não passam despercebidos, que nos provocam, que nos fazem sentir algo diferente, que promovem em nós outras perspectivas de mundo, que mexem com o nosso olhar, que despertam novas sensações, novas emoções. Convidam-nos para a vida!
       “Cativa-me”, assim disse a raposa. “Cativa-me”, assim disse também a menina, “e eu guardarei lembranças suas no meu baú, para a eternidade”.

sábado, 4 de agosto de 2012

Amanhecer com sol-encanto-poesia...




Quando acordei, o sol já se exibia no céu. Nenhuma nuvem para brincar de pique esconde, sua brincadeira predileta nos últimos dias. Teve que se contentar com outra brincadeira: lançar seus raios sobre a minha janela, e assim tentar me acordar. Eu, ainda sonolenta, bem que apreciei a travessura do sol. Era mesmo hora de acordar!
Comecei, então, uma manhã cheia de promessas! Promessas de poesia! Ora, quando o sol te acorda assim, beijando delicadamente seu rosto, só pode ser promessa de um dia de poesia! O que mais poderia ser?
O sol, símbolo da vitalidade, quando decide parar de brincar de pique esconde por entre nuvens, e brilha vigoroso no céu, transmite tanta energia, tanta vitalidade, que a vontade que se tem é de se tornar intenso, tal como o sol. E então todo movimento que se faz no dia, torna-se intenso também, e por que não dizer, poesia.
Sol-encanto-poesia, quanta saudade eu estava de você, amigo sol.  Tenho alguns sóis na minha vida. Quanto privilégio! Todos são encanto-poesia. Alguns estão bem próximos, outros brincam em céus mais distantes, mas apesar disso, é possível sentir minha pele iluminada por seus raios!
Nesta vastidão que é o universo, penso ter sido uma enorme sorte, ou conspiração divina mesmo, ter encontrado amores, amigos-sóis-encanto-poesia, que me tornam mais humana, que fazem meus sentimentos saltarem de dentro de mim, que colocam cor na minha vida, e fazem de cada momento, iluminado, aquecido, intenso, único, sem igual.
Entre tantas pessoas pra se conhecer, entre tantos olhares trocados nas ruas, nas festas, nas praças, nas filas de banco, encontrei olhares que tocaram minha alma. Raios de sol!
Entre tantas mãos que me tocaram, encontrei mãos que se entrelaçaram às minhas e me fazem sentir segura diante de medos inevitáveis que se revelam dentro de mim.
Entre tantos pés errantes, sem destino, encontrei pés que caminham ao lado dos meus, e mesmo quando eu me perco, permanecem ao meu lado, guiando-me rumo a uma nova estrada que me levará ao destino almejado. Iluminam caminhos!
Encontrei sóis que me despertam para o amanhecer em forma de poesia todos os dias!
Contagia-me, sol! Contagia-me!

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Ao encontro do mar...




Lanço-me ao mar escuro. Espero escutar sua voz.
O mar, vezes traiçoeiro, vezes pura mansidão, quer revelar-me o que há dentro mim.
Não há nada melhor que deitar na praia, à noite, deixando o corpo inteiro ser coroado pelas estrelas do céu, mesmas estrelas que em silencio testemunham a minha doce solidão, e admiram a grande ópera que o deus Poseidon ministra no mar.
Não implico com a solidão! Muitas vezes estar só é necessidade. O solitário escuta o som do mar! O solitário escuta o mar dizer sobre as sutilezas do dia-a-dia. Quando bravio, diz das dores, das marcas dos desamores, das amarguras que quisera fossem esquecidas, mas diz também dos beijos mais safados, das pernas entrelaçadas, do coração descompassado. Quando brando, diz de amor em forma de poesia. Poesia que só o mar sabe escrever e só o solitário consegue ouvir.
Lanço-me ao mar escuro! Com o corpo nu desejo sentir suas águas envolvendo-me. O murmúrio do mar faz companhia. O toque da água fria faz multidão dentro de mim! Eo que dizer da imagem da lua refletida no mar? Ilumina o caminho para pensamentos de planos futuros. Que futuro? O futuro balança tal como barco no mar. Deve-se seguir em frente, assim diz o marinheiro, até mesmo quando enjoados, cheios de vertigem por causa do vai e vem.  A vida é mesmo assim: vai e vem. E o sentido do caminho só se dá quando nos lançamos no mar, e nos deixamos perder por instantes a respiração para logo em seguida a recuperarmos.
Vai e vem. Vem e vai.
Vai o caminho iluminado, vem o mar escuro. Lanço-me nele com medo, mas sem hesitação!

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Receitas de caminhar...




BOLINHO DE CHUVA

Ingredientes:
2 ovos
2 colheres de açúcar
1 xícara de chá de leite
Trigo para dar ponto
1 colher de sopa de fermento
Açúcar e canela

Modo de preparo:
Misture todos os ingredientes até ficar uma massa não muito mole, nem tão dura. Deixe aquecer uma panela com bastante óleo para que os bolinhos possam boiar. Quando estiver bem quente comece a colocar colheradas da massa e abaixe o fogo para que o bolinho não fique cru por dentro. Coloque os bolinhos sobre papel absorvente e depois passe-os no açúcar com canela.

Se seguir a receita é bem capaz de saborear bolinhos de chuva deliciosos. Mas pode sentir a tentação de mudar este ou aquele ingrediente, acrescentar raspas de casca de limão, rechear com doce de leite ou brigadeiro, e o resultado: imprevisível. Quando modifica-se algum ingrediente, ou quando muda-se alguma etapa do processo de preparo, o resultado é sempre uma surpresa. Pode virar uma receita digna do paladar dos deuses, ou simplesmente pode ser jogada na lata do lixo, mas com a certeza de que isso renderá boas histórias nas rodas de amigos.
Tem gente que faz da vida uma receita de bolinhos de chuva. Gosta de fazer tudo certinho, de acordo com as medidas, detalhadamente programado, e deixa de inovar, deixa de surpreender-se, por medo de errar. Pessoas assim acordam sempre no mesmo horário, seguem suas agendas rigorosamente, almoçam sempre nos mesmos restaurantes, comem sempre a mesma comida, escutam sempre as mesmas músicas, viajam sempre para os mesmos lugares. Sempre, sempre, sempre. É tudo rotina. E assim não há espaço para a falha. Para eles, os metódicos, é muito difícil falhar. É como se permitir receber uma ferida narcísica, uma ferida no próprio “eu”.  Estão sempre apontando o indicador para si. Enchem suas vidas de regras e dessa forma adiantam-se a fazer o caminho pelo qual devem seguir.
Ora, já ouvi dizer que “o caminho se faz com o caminhar”, então, caminhante, não existe caminho! E é nisto que reside a beleza da falha. Se o caminho se faz com nossos passos, o erro, a falha, nos dá oportunidade de voltarmos atrás, ou criarmos novos caminhos, às vezes até mesmo atalhos. Assim, pode-se conhecer mais paisagens, deparar-se com o inesperado, vislumbrar o novo, construir experiências!
O próprio fracasso em si carrega uma beleza sem igual. Deixar-se viver a experiência do fracasso, é reconhecer a pequenez da existência humana, afinal todo ser humano é suscetível a erros. Mas também, quando se faz o movimento de superação, e com determinação, mesmo com toda dificuldade, incentivado por suor e sangue, consegue-se erguer e prosseguir, é possível reconhecer também a grande força que mora dentro de uma casca tão frágil: o nosso corpo.
Mudar a receita é a possibilidade de tentar, pelo menos tentar, fazer da vida um pouco mais doce, ou um pouco mais consistente, conforme o gosto do freguês.
Fica, então, o convite: vamos colocar mais açúcar na receita de hoje? Que tal?