A menina, tão
pequenina, tinha cabelos enormes e lisos. Sua mãe, para evitar embaraços, fazia
tranças todos os dias em seus cabelos, o que justificava seu apelido: Rapunzel.
Isso era um prato cheio para os meninos da escola que adoravam tirar sarro das
meninas. Era só ela chegar pra começar a euforia. É claro que ela, embaraçada
com a situação, desfazia a trança, e com seus cabelos soltos saía para brincar
com as colegas na hora do recreio. Quando chegava em sua casa, a mãe olhava
meio de lado, vendo seus cabelos soltos, e já imaginava a situação: passaria um
longo tempo com o pente nas mãos tentando tirar os nós dos cabelos da filha.
Quanto embaraço!
“Eu te amo”.
“O problema não é você, sou eu”. “Está demitido”. “Não passou de ano”. “Seu pai
faleceu”. “Essa dor vai passar”. “Casa comigo?”. “Vamos terminar”. “Adeus”.
Quanto embaraço! E haja face ruborizada!
Na teia que
tece a vida, deparamo-nos com muitos embaraços. Tudo depende da forma e do
momento que falamos ou ouvimos. Muitas vezes, as palavras não conseguem
expressar aquilo que gostaríamos, da forma que gostaríamos. Muitas vezes não
conseguimos ouvir o que palavras, mesmo que bem colocadas, querem dizer, por
serem duras demais.
Palavras
confortam, abraçam, afagam, iluminam estradas, provocam felicidade, e também
são capazes de causar feridas irremediáveis, que permanecem abertas por um
longo tempo, e mesmo quando fecham, cicatrizam, mas não deixam de incomodar.
Lembro-me do
dia que o meu pai faleceu. Quando recebi os telefonemas da minha mãe, que
tentava me dar a triste notícia, não quis atender. Meu coração já sabia. Ele já
me dizia. E eu não queria ouvir aquelas palavras. Eram pesadas demais para eu
suportar. Quando cheguei na casa da minha mãe, minha avó falou. E nunca me saiu
da cabeça aquela voz, até mesmo suave, proferindo o que eu não queria ouvir.
Alguns
embaraços da vida, como os dos cabelos, com dedicação acabam por se desfazerem.
É claro que exige dedicação, explicações, pedidos de desculpas, muita análise, e
isso causa certo desgaste. Desembaraçar dói. Puxa os cabelos. Mexe com as
tramas da vida. O tempo ajuda muito. Tempo, que é nossa perversa prisão, e que por
vezes também se faz de senhor da sabedoria.
Chega um
momento no qual as próprias lágrimas se cansam de cair. Muitas vezes, quando nos
deparamos com o embaraço, surge também um embaçar nos olhos. É muito difícil
enxergar com olhos embaçados! É necessário que eles sejam lavados. As lágrimas,
inevitáveis, devem cair. E quando ficam cansadas de cair, a visão é retomada, e
o que estava turvo, torna-se claro e limpo. É possível enxergar novamente, e
assim retornar ao caminho.
E em ritmo de
samba, com o coração na mão e a alma na voz, como meu pai bem faria, é possível
cantar: “Vai passar esse meu mal estar, esse nó na garganta. Deixa estar. O
próprio tempo dirá. Água demais mata a planta”.